Jornalistas convidam sociedade para defesa da democracia
"Não sou jornalista, mas tenho paixão pelo trabalho dos jornalistas, pelas denúncias que fazem das mazelas da sociedade. Eu sempre me pergunto como eles conseguem ser imparciais e fico indignado quando não são", reflete Marcio Ferreira, astrólogo, analista de RH aposentado da Petrobras e mestre em administração pela FGV. "Ninguém é imparcial, nunca. Mas os jornalistas precisam ser éticos e objetivos", responde a jornalista Regina Luz, escritora e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Esse debate ocorreu no nono encontro on-line (4/12) do Projeto Enfrentamento da Crise da Profissão de Jornalista (Enprojor).
A discussão perpassa toda a sociedade e é emblemática do sentimento ambíguo que os cidadãos em geral têm sobre o papel de quem exerce o ofício. "Tem crescido uma opinião de que os jornalistas não são éticos. Isso fundamenta vários discursos, de não jornalistas, que se acham com permissão para se dizerem tais e sentem-se autorizados a publicarem fake news 'já que a imprensa sempre fez isso' ", afirma a mentora de comunicação Cris Frazão. "Mas não é verdade. Temos e realmente seguimos um código de ética", argumenta a jornalista, que já trabalhou para a TV Globo, SBT, Record e CNN.
Cris afirma que, mesmo com problemas éticos, como em todas as áreas, as empresas de mídia têm nos jornalistas um filtro para garantir a seriedade da informação jornalística. O coordenador do Enprojor, Marcello Riella Benites, enfatiza o erro da generalização popular sobre a corrupção do jornalismo tradicional. "Isso é fruto de erros e crimes de imprensa, sobretudo nos anos 1990. Mas é em maior parte o resultado da precarização do ofício pela derrubada da exigência do diploma, em 2009, imposta pelo STF, com piora da remuneração e condições de trabalho, e aumento da ameaça de demissões, tornando, muitas vezes, empregados reféns dos patrões, numa mídia comprometida com interesses políticos e econômicos".
Jornalista da Câmara de Municipal de Macaé, doutor em Cognição, Linguagem e Tecnologias da Informação pela Uenf-RJ, Riella sustenta que atualmente, porém, a maior causadora da visão banalizada que a sociedade tem da categoria é a tendência nacional e mundial ao tecnofascismo. "Acredito que o jornalismo já fez uma autocrítica e deixou para trás a década de 1990, marcada pelo hediondo caso da Escola Base, entre outros", recorda o pesquisador. Na opinião dele, essa retomada se evidencia no fundamental papel que as e os jornalistas tiveram na denúncia, julgamento e condenação de Bolsonaro e dos demais responsáveis pela trama golpista.
Jornalismo x Tecnofascismo
"Queremos aprofundar esse processo dentro da mídia tradicional, a partir das e dos jornalistas, para repropor a imprensa como uma espécie de 'quarto poder', influindo de forma cidadã na dinâmica de freios e contrapesos dos Três Poderes". Os integrantes do Enprojor, jornalistas ou não, querem não apenas realizar estudos, mas atuar concretamente para melhorar as condições de trabalho e renda dos profissionais. Apontam essas ações como caminho indispensável para que a categoria, fortalecida, possa liderar o jornalismo contra o tecnofascismo, protegendo nossa fragilizada democracia. No encontro on-line, ficou evidenciado que sem apoio dos cidadãos, a imprensa não resistirá aos tecnofascistas e que, com o jornalismo ainda mais enfraquecido, a democracia perecerá, como tem acontecido em diversos países.
Letramento jornalístico
Doutora pelo mesmo programa de pós-graduação que Marcello, a professora de inglês Rafaela Sepúlveda se diz indignada: "A banalização da profissão de vocês é um grande risco para todas as esferas da sociedade civil, porque hoje todo mundo se diz jornalista, e qualquer um fala qualquer coisa, sem fazer ideia do que está falando. Comentam decisões do STF sem nunca ter aberto a Constituição. E, infelizmente, conseguem penetrar camadas enormes da população não letrada. Já os jornalistas possuem a capacidade de oferecer ao público uma curadoria da informação que pessoas sem formação jornalística não têm". Segundo a professora, o Enprojor tem a vocação de oferecer um letramento jornalístico à sociedade.
Demitida por defender ética profissional
Os participantes consideraram que devido ao desemprego, muitas vezes, os profissionais submetem-se a ritmos de trabalho aviltantes e até presenciam atitudes antiéticas. Mas isso deve ter o limite do envolvimento pessoal. A assessora de imprensa autônoma Tânia Garabini conta que quando trabalhava em um jornal recusou-se a fazer reportagem sobre o suicídio de um homem. "Ele deixou um recado para a filha pequena e a menina encontrou o bilhete... O editor argumentou que venderíamos todos os jornais e faríamos uma segunda edição, e ameaçou me demitir, se eu não fizesse. Então, eu pedi demissão. Ele mesmo escreveu e publicou. Naquela semana, sete pessoas se enforcaram na região de cobertura do veículo". Durante a reunião, outros colegas também relataram casos de defesa da ética no trabalho.
Resiliência
A necessidade da resiliência também foi evidenciada na reunião. Foi o que frisou Roberta Barcelos: "Precisamos resistir, para retomar e abrir espaços, mesmo em meio à falta de ética e profissionalismo de pessoas que não tiveram formação jornalística como nós". Além dos mencionados participaram ainda do encontro as jornalistas Ana Cristina Hermano, Fernanda Viseu, Adriana Corrêa e Cláudia Abreu, o jornalista Bruno Pirozi, e o engenheiro Anselmo Rangel, totalizando 12 pessoas. Nessa última edição, a Comunidade de Pesquisa e Prática (CPP) do Enprojor subiu de 46 – entre esses, uma médica e um poeta/produtor cultural – para 50 membros.
Próximo encontro será em março
O projeto é resultado da tese de Marcello no Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem da Uenf, pesquisa iniciada em 2021, que teve como orientador e coorientadora os jornalistas e professores da Uenf, Sérgio Arruda e Milena Hygino Nunes, respectivamente. O próximo encontro on-line do Enprojor será no dia 5 de março de 2026. Qualquer cidadão ou cidadã interessada pode pedir o link pelo e-mail marcello@releiturasemcomunicacao.com.br.