Jornalistas convidam sociedade para defesa da democracia

12/12/2025

"Não sou jornalista, mas tenho paixão pelo trabalho dos jornalistas, pelas denúncias que fazem das mazelas da sociedade. Eu sempre me pergunto como eles conseguem ser imparciais e fico indignado quando não são", reflete Marcio Ferreira, astrólogo, analista de RH aposentado da Petrobras e mestre em administração pela FGV. "Ninguém é imparcial, nunca. Mas os jornalistas precisam ser éticos e objetivos", responde a jornalista Regina Luz, escritora e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Esse debate ocorreu no nono encontro on-line (4/12) do Projeto Enfrentamento da Crise da Profissão de Jornalista (Enprojor).

A discussão perpassa toda a sociedade e é emblemática do sentimento ambíguo que os cidadãos em geral têm sobre o papel de quem exerce o ofício. "Tem crescido uma opinião de que os jornalistas não são éticos. Isso fundamenta vários discursos, de não jornalistas, que se acham com permissão para se dizerem tais e sentem-se autorizados a publicarem fake news 'já que a imprensa sempre fez isso' ", afirma a mentora de comunicação Cris Frazão. "Mas não é verdade. Temos e realmente seguimos um código de ética", argumenta a jornalista, que já trabalhou para a TV Globo, SBT, Record e CNN.

Cris afirma que, mesmo com problemas éticos, como em todas as áreas, as empresas de mídia têm nos jornalistas um filtro para garantir a seriedade da informação jornalística. O coordenador do Enprojor, Marcello Riella Benites, enfatiza o erro da generalização popular sobre a corrupção do jornalismo tradicional. "Isso é fruto de erros e crimes de imprensa, sobretudo nos anos 1990. Mas é em maior parte o resultado da precarização do ofício pela derrubada da exigência do diploma, em 2009, imposta pelo STF, com piora da remuneração e condições de trabalho, e aumento da ameaça de demissões, tornando, muitas vezes, empregados reféns dos patrões, numa mídia comprometida com interesses políticos e econômicos".

Jornalista da Câmara de Municipal de Macaé, doutor em Cognição, Linguagem e Tecnologias da Informação pela Uenf-RJ, Riella sustenta que atualmente, porém, a maior causadora da visão banalizada que a sociedade tem da categoria é a tendência nacional e mundial ao tecnofascismo. "Acredito que o jornalismo já fez uma autocrítica e deixou para trás a década de 1990, marcada pelo hediondo caso da Escola Base, entre outros", recorda o pesquisador. Na opinião dele, essa retomada se evidencia no fundamental papel que as e os jornalistas tiveram na denúncia, julgamento e condenação de Bolsonaro e dos demais responsáveis pela trama golpista.

Jornalismo x Tecnofascismo

"Queremos aprofundar esse processo dentro da mídia tradicional, a partir das e dos jornalistas, para repropor a imprensa como uma espécie de 'quarto poder', influindo de forma cidadã na dinâmica de freios e contrapesos dos Três Poderes". Os integrantes do Enprojor, jornalistas ou não, querem não apenas realizar estudos, mas atuar concretamente para melhorar as condições de trabalho e renda dos profissionais. Apontam essas ações como caminho indispensável para que a categoria, fortalecida, possa liderar o jornalismo contra o tecnofascismo, protegendo nossa fragilizada democracia. No encontro on-line, ficou evidenciado que sem apoio dos cidadãos, a imprensa não resistirá aos tecnofascistas e que, com o jornalismo ainda mais enfraquecido, a democracia perecerá, como tem acontecido em diversos países.

Letramento jornalístico

Doutora pelo mesmo programa de pós-graduação que Marcello, a professora de inglês Rafaela Sepúlveda se diz indignada: "A banalização da profissão de vocês é um grande risco para todas as esferas da sociedade civil, porque hoje todo mundo se diz jornalista, e qualquer um fala qualquer coisa, sem fazer ideia do que está falando. Comentam decisões do STF sem nunca ter aberto a Constituição. E, infelizmente, conseguem penetrar camadas enormes da população não letrada. Já os jornalistas possuem a capacidade de oferecer ao público uma curadoria da informação que pessoas sem formação jornalística não têm". Segundo a professora, o Enprojor tem a vocação de oferecer um letramento jornalístico à sociedade.

Demitida por defender ética profissional

Os participantes consideraram que devido ao desemprego, muitas vezes, os profissionais submetem-se a ritmos de trabalho aviltantes e até presenciam atitudes antiéticas. Mas isso deve ter o limite do envolvimento pessoal. A assessora de imprensa autônoma Tânia Garabini conta que quando trabalhava em um jornal recusou-se a fazer reportagem sobre o suicídio de um homem. "Ele deixou um recado para a filha pequena e a menina encontrou o bilhete... O editor argumentou que venderíamos todos os jornais e faríamos uma segunda edição, e ameaçou me demitir, se eu não fizesse. Então, eu pedi demissão. Ele mesmo escreveu e publicou. Naquela semana, sete pessoas se enforcaram na região de cobertura do veículo". Durante a reunião, outros colegas também relataram casos de defesa da ética no trabalho.

Resiliência

A necessidade da resiliência também foi evidenciada na reunião. Foi o que frisou Roberta Barcelos: "Precisamos resistir, para retomar e abrir espaços, mesmo em meio à falta de ética e profissionalismo de pessoas que não tiveram formação jornalística como nós". Além dos mencionados participaram ainda do encontro as jornalistas Ana Cristina Hermano, Fernanda Viseu, Adriana Corrêa e Cláudia Abreu, o jornalista Bruno Pirozi, e o engenheiro Anselmo Rangel, totalizando 12 pessoas. Nessa última edição, a Comunidade de Pesquisa e Prática (CPP) do Enprojor subiu de 46 – entre esses, uma médica e um poeta/produtor cultural – para 50 membros.

Próximo encontro será em março

O projeto é resultado da tese de Marcello no Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem da Uenf, pesquisa iniciada em 2021, que teve como orientador e coorientadora os jornalistas e professores da Uenf, Sérgio Arruda e Milena Hygino Nunes, respectivamente. O próximo encontro on-line do Enprojor será no dia 5 de março de 2026. Qualquer cidadão ou cidadã interessada pode pedir o link pelo e-mail marcello@releiturasemcomunicacao.com.br.