Existe uma boa direita - Parte III (ou O papel dos Influenciadores)

02/12/2020

Mesmo se não abordarei aqui a vitória de Biden, a polêmica sobre a segunda onda do Covid-19 e a eleição de Bruno Covas em São Paulo, penso que tais fatos tornam ainda mais pertinente este texto.

Bem, após, nos últimos posts, considerar possível a existência de uma "boa direita", uma direita com a qual pessoas de esquerda como eu possam dialogar, elencando valores, ideias e autores que considero ter certa autenticidade, concluirei o artigo.

As duas postagens iniciais estão disponíveis no meu Facebook e aqui no site. Convido também para a leitura de um texto que postei antes: Por que sou de esquerda.

Desta vez, além de continuar comentando alguns conceitos de direita que considero instigantes - e aqui sei que abro flanco para críticas e talvez até ataques de companheiros da esquerda, fazer o quê? - tecerei no final considerações sobre formadores de opinião da direita. Eles protagonizaram vídeos nos quais, além de muitas leituras, me baseei para esta reflexão. Não são vídeos recentes. Então, não sei como está a opinião destes influenciadores no momento atual sobre governo brasileiro e o presidente.

Mas antecipo a conclusão, que aprofundarei depois, de que esses formadores fizeram uma aposta arriscada e, possivelmente, irresponsável. Gostaria muito de ouvi-los a respeito dessa opinião, mas seria muita pretensão minha que esse texto chegasse ao conhecimento de nomes famosos nas redes sociais, como Luiz Felipe Pondé, Marco Antonio Villa, Rodrigo Constantino, Kim Kataguri e Caio Coppola.

Vale considerar que esses influentes atores da direita brasileira realizam um importante trabalho de síntese e difusão de propostas de conceitos e autores clássicos. E, por vezes, eles também operam um significativo diálogo com a esquerda sobre temas importantes, como se pode perceber na entrevista de Pondé com Guilherme Boulos. Mas passemos, por fim, a mais alguns autores e linhas de pensamento que inspiram esses influenciadores.

De Keynes versus Friedman à Teoria da Justiça de Rawls

Um importante debate na direita vai ter polos representativos de um estado mais intervencionista por gastos sociais, e de um estado mínimo, neoliberal. Tal debate é simbolizado pela contraposição a respeito da crise de 1929 nos EUA, entre: o inglês Maynard Keynes (1883-1946), de um lado, com a proposta de investimentos públicos para gerar empregos; e de outro, o estadunidense Milton Friedman (1912-2006), que considera existir uma "taxa natural de desemprego", que poderia ser aceita numa economia saudável.

Segundo Friedman, ao tentar gerar empregos artificialmente, o governo produz inflação, prejudicando a economia. Vale registrar a posição keynesiana de que o desemprego não é uma escolha de trabalhadores preguiçosos, mas resulta da real falta de oferta de trabalho - havia estudos anteriores que apontavam a pobreza e o desemprego como resultantes da "indolência, do vício, da falta de iniciativa e de ética laboral".

De toda a pesquisa que fiz, ninguém me pareceu melhor para ilustrar a argumentação de que existe uma boa direita que o filósofo liberal dos EUA, John Rawls (1921-2002) - embora muitos de seus estudiosos o classifiquem mais num posicionamento de centro e até de centro esquerda.

Em sua obra "Uma Teoria da Justiça", ele propõe um contrato social, no qual as pessoas se imaginariam com autonomia e total poder para fundar uma nova sociedade. Elas estariam, porém, sob "um véu de ignorância" e não saberiam qual seria a condição econômica, a classe social, e o prestígio cultural, enfim, que teriam nesse novo mundo.

Segundo Rawls, uma ética kantiana - para não deixar de falar de outro referencial do liberalismo, Imanuel Kant (1724-1804) - pela qual nos colocamos no lugar do outro levaria os novos fundadores a gerar uma sociedade mais justa. Um aprofundamento do pensamento de Rawls, que aqui não é possível fazer, o defenderia da crítica de ser utópico. Nesse sentido, conta a seu favor um importante prêmio que recebeu em 1999 de Bill Clinton. O então presidente dos EUA afirmou, na ocasião, que a obra do filósofo ajudou a reviver a fé na própria democracia.

A boa direita não está (à vontade) no governo Bolsonaro

Chegamos ao final do nosso "textão". Para produzi-lo, além do livro de Roger Scruton, "Conservadorismo: um convite à grande tradição", e outras referências, recorri a vídeos de formadores de opinião - aos quais agradeço muito - da direita brasileira no Youtube, que listarei abaixo, e que serviram sobretudo para esta parte final. A conclusão a que chego é que, não obstante haja uma boa direita, e tais influenciadores possivelmente se enquadrem nela, a mesma não está presente nas políticas do atual governo.

A exceção fica por conta das vitórias do ministro Guedes, em que pesem as limitações ao seu projeto que aumentam à medida em que o presidente se aproxima do Centrão. Muito menos as políticas e sequer o discurso ético dessa direita estão presentes nas atitudes e na fala da maior autoridade nacional.

E embora possa haver quadros autênticos da boa direita nas estruturas governamentais em todo o país, creio que essas pessoas estejam muito pouco à vontade para dar sua contribuição, a exemplo das várias dissidências que já houve - e não entro aqui no mérito de comentar a autenticidade de cada um desses dissidentes.

Percebi nos vídeos que os próprios defensores da direita têm reservas e até forte rejeição a vários componentes do bolsonarismo. E com todo o respeito, questiono se a aposta deles no atual presidente não foi um risco muito elevado que assumiram, dadas as evidências que essa proposta apresentava, desde antes da campanha de 2018. Será que a simples rejeição aos governos anteriores, por enorme que fosse, justificava tal aposta e ainda a sustenta agora?

Então, para finalizar, argumento que existe de fato uma boa direita, inspirada nos mais altos e legítimos ideais liberais e conservadores, mas ela não está presente no atual governo brasileiro. Pelo menos não está de forma significativa, com uma mínima autonomia de ação e expressão.

Vídeos que contribuíram para esta reflexão:

- Entrevistas de Luiz Felipe Pondé com:

Marco Antonio Villa (Polarização é bom para a democracia?)

https://youtu.be/Y8Xrw1uM1VI

Kim Kataguiri (O MBL de hoje é o mesmo que derrubou a Dilma?)

https://youtu.be/H5j-5LlzZfI

Rodrigo Constantino (Existem liberais no Brasil?)

https://youtu.be/i3_-mvcJlvM

Caio Coppola (Qual o vínculo entre ceticismo e ser conservador?)

https://youtu.be/AtZnb6vdO94

Guilherme Boulos (O que Marx, Lenin e Trotsky pensariam da nova esquerda?)

https://youtu.be/grKgZ2bF__I

- Canal Burke Entrevista

Luiz Felipe Pondé: O mínimo que você precisa saber sobre conservadorismo

https://youtu.be/EhKnCH7HTfU

- Canal de Rodrigo Constantino:

Burke x Paine: o nascimento da disputa moderna entre direita e esquerda

https://youtu.be/Yw6UWhwIJY0

Muito obrigado aos que chegaram até aqui! Convido novamente para a leitura dos artigos "Existe uma boa direita" I e II, do texto "Por que sou de esquerda", e ainda outros sobre comunicação e tecnologia, todos disponíveis aqui.

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